domingo, 11 de dezembro de 2011

Intermitências


O Porto tem estampado no seu currículo algumas ideias feitas e lugares-comuns. Cidade cinzenta, granítica, melancólica e misteriosa. O Porto pode ser um cinquentão de fato, gravata e ar sério ou uma enigmática miúda de 20 anos. Por serem tão redutores, estes clichés não lhe fazem totalmente jus, mas também não deixam de ter um fundo de verdade. Talvez o céu carregado e as pesadas gotas de chuva de uma tarde de Dezembro lhe tenham valido tais epítetos. De uma forma ou de outra, nós não lhe viramos as costas.
Chegamos ao tabuleiro superior da Ponte Luiz I e lá ao longe, na outra margem, Vila Nova de Gaia. Num misto de sarcasmo e graça, diz-se que “o melhor de Gaia é a vista para o Porto”. Essa é uma discussão que fica para outra altura! Atravessamos a ponte em passo ligeiro e, lá em baixo, na Ribeira, ecoam os gritos de apoio aos barcos de remo que se debatem no Douro.

O Jardim do Morro espera-nos na outra margem com a sua pacatez e o seu pequeno coreto. Um ou dois turistas que nos acompanharam na travessia da ponte enriquecem o seu registo fotográfico. Não há, de facto, como escapar à paisagem que enche a vista, que a perfura e que a turva. Perfila-se sobre o nosso olhar o casario de cores fortes. Na Ribeira, o Porto abandona o cinzento e ganha nova tonalidade: amarelo ou, eventualmente, um vermelho escuro de sangue já há muito derramado pelos seus habitantes. Daquele pequeno jardim gaiense de grutas e banquinhos românticos para namorados é o velho Porto em toda a sua plenitude que podemos avistar: a Sé, os Clérigos e as pontes; a Alfândega, os rabelos e a figura de preto da Sandeman.

De olhar e alma lavados, é o teleférico que, desde Abril, liga o Jardim do Morro ao Cais de Gaia que nos prende a atenção. São sobretudo turistas que dele fazem uso. Porventura já toldados por um Porto nas Caves, mas ainda ávidos de um pouquinho mais de Gaia, Porto e Douro. Nós fazemos o percurso inverso, percorremos a ponte em amena cavaqueira e de guarda-chuva bem aberto. Pousamos os pés em terra firme portuense e acolhe-nos o garrido da loja de souvenirs da Avenida Vímara Peres. Entramos e procuramos o Porto cinzento, granítico e melancólico. Não é nos marcadores de livros, nem nos ímanes de frigorífico, muito menos nas canecas com rosto de Pessoa que o encontramos. Os clichés, as ideias feitas e os lugares-comuns têm destas coisas: estão lá e não estão. São estas as intermitências que o Porto, misterioso, tem.

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